Dizem os mais puristas da gramática alemã que o carismático presidente norte-americano John Fitzgerald Kennedy terá dito "Sou uma bola de Berlim!" em vez de "Sou um berlinense!" no seu famoso discurso em 1963, cerca de três meses antes de ser assassinado em Dallas no Texas. Quase 50 anos depois Marcelo Rebelo de Sousa, o político-comentador televisivo, revitaliza o célebre discurso num vídeo em estilo caseiro que supostamente deveria sensibilizar os alemães para o esforço brutal a que estão sujeitos os portugueses devido às medidas de austeridade e ao desdém da Alemanha para com uma nação esforçada com quase 40 anos de democracia.
A famosa bola de Berlim em Portugal, sonho no Brasil e pączki na Polónia |
Não aprecio discutir política, quem me conhece sabe-o bem, mas os pedidos de familiares e amigos no Facebook para partilhar o "vídeo proibido" de Marcelo Rebelo de Sousa requerem um momento de reflexão e uma explicação para o motivo pelo qual não me dão ganas de partilhar o dito "Ich bin ein Berliner" Made in Portugal.
Vi no Youtube a produção da NextPower que supostamente deveria ser mostrada na Alemanha, na Praça Sony em Berlim. Diz alguma da imprensa portuguesa que foi proibido ou seja, alvo de censura. Segundo os alemães o motivo para esta decisão prende-se com o carácter politizado da mensagem que, no seu entender, não é apenas uma demonstração do que é Portugal nem tampouco o de provar que não somos preguiçosos. O senhor embaixador da Alemanha em Portugal através da chefe da secção de imprensa e cultura da Embaixada da Alemanha, Annette Ludwig, reitera que a transmissão "não pode ter sido 'impedida' pela Embaixada", lembrando que "todos os órgãos oficiais alemães defendem a liberdade de opinião e de informação".
Então como entender este aparente atentado contra a liberdade de informação? Visualizei o vídeo de 4:45 minutos para formar uma opinião. Opinião esse que (devo assinalar) pela distância a que me encontro e pelo facto de não ir a Portugal há uns anos, é porventura diferente daqueles que estão a sofrer directa e indirectamente com os planos da Troika para Portugal.
Filmado em Lisboa, junto ao Padrão dos Descobrimentos, símbolo da nossa gloriosa História e do período áureo dos descobrimentos que por um lado nos tornou um império e alargou as nossas fronteiras para um tamanho incomparável àquele de Portugal continental por outro também foi destruidor de mundos, culturas milenares e sábias existentes nos territórios que viríamos a chamar de colónias - tudo em nome de Deus e da Coroa portanto absurdamente justificável e lógico no contexto histórico da época.
O vídeo começa em 1974 com a revolução dos cravos que pôs fim a uma ditadura bafienta e sufocante que, por muito que sejam contra, usou a tortura e a opressão contra a oposição sendo o assassinato de Humberto Delgado e as perseguições aos membros das células do Partido Comunista Português, prova cabal disso.
Melhoramos as condições de vida dos portugueses, a alfabetização, a taxa de mortalidade infantil e a esperança de vida tudo sem recurso ao Plano Marshall. Aqui começa a primeira não-verdade do vídeo. Recebemos sim: entre 1950 e 1951 recebemos 70 milhões de dólares tanto como a Áustria e uma simples pesquisa na Internet não só prova isso como ainda nos brinda com interessantes cartazes de propaganda americana sobre a generosidade dos norte-americanos para com uma Europa destruída e desmoralizada.
Melhoramos as condições de vida dos portugueses, a alfabetização, a taxa de mortalidade infantil e a esperança de vida tudo sem recurso ao Plano Marshall. Aqui começa a primeira não-verdade do vídeo. Recebemos sim: entre 1950 e 1951 recebemos 70 milhões de dólares tanto como a Áustria e uma simples pesquisa na Internet não só prova isso como ainda nos brinda com interessantes cartazes de propaganda americana sobre a generosidade dos norte-americanos para com uma Europa destruída e desmoralizada.
Depois passamos ao mea culpa pelo modo como gastamos ou esbanjamos dinheiro onde vemos uma senhora na casa dos seus sessenta a mostrar um cartão de crédito enquanto ao lado esquerdo vemos um BMW série 5. Afinal 41,3% do parque automóvel português são viaturas Made in Germany. Pois... que culpa temos nós da qualidade dos VW, Audi, BMW, Porsche e Mercedes? E porque têm eles de agradecer o facto de muitos de nós lhes andarmos a comprar carros usados com mais de 200.000 km que depois aparecem à venda com 68.999?
As parcerias com Portugal... os alemães são uns mal-agradecidos... A Siemens passou-nos a perna depois de instalarmos uma rede de fornecimento de energia para veículos elétricos sem os ditos estarem construidos (com certeza que alguém beneficiou com a negociata) e ainda lhes andamos a comprar submarinos Trident ao custo de biliões de € mais as negociatas com a construção de estádios para o Euro 2004. E com isto tivemos de cortar com a despesa pública, no elo fraco, a classe-média - essa vaca leiteira que é ordenhada até cair prostrada. Do bebé ao idoso todos saíram prejudicados mas talvez pensem mal de nós e nos vejam como uma espécie de Brasil europeu onde a tristeza é esquecida com o Carnaval e com festas populares ou será que deveriam ter referido com futebol, telenovelas e a Casa dos Segredos? Melhor não - a Casa dos Segredos passa na TVI e nesse canal televisivo o autor, o político-comentador Rebelo de Sousa, retira o seu cheque regularmente.
Portanto trabalhamos mais horas, vamos para pensionistas aos 67 e não temos tantos dias de férias e feriados como os alemães mas eles deveriam saber que somos trabalhadores árduos mas mal pagos. Deveriam saber que além disso pagamos muito mais impostos e quando protestamos nas ruas até abraçamos a polícia de intervenção. Chegamos à conclusão que os alemães controlam as regras do jogo na UE, que têm poder e são uma potência mundial., que podemos fazer senão baixar as orelhas e pedir aos alemães que "metam cunha", que se lembrem de nós, povo, e esqueçam a corja de bandidos que vilipendiaram Portugal e foram engordando desde a década de 70 até hoje?
Porque não um vídeo mais esclarecedor - aos alemães à Europa e ao mundo - da classe política eleita pelo povo (que confiou e depositou a sua esperança neles) sobre as negociatas, os absurdos da corrupção do Estado português e de muitos dos seus políticos, do despesismo estapafúrdico com tantos projectos megalómanos como o TGV, o novo aeroporto e novas auto-estradas. Perdemos noção dos escândalos envolvendo dinheiros públicos, dos casos de compadrio entre privados e o Estado. Do "fax de Macau" passando pelo BPN ao escândalo Freeport são centenas! E a culpa é de quem?
É por demais evidente que o problema é sobretudo político e a intenção do vídeo é porventura necessária no contexto de desmoralização e pessimismo em que se vive correntemente. Temos de levantar a cabeça! A Alemanha ganhou poder pela incompetência política de muitos dos seus parceiros da UE e não somos excepção. Antes de tudo há que desmontar Portugal começando pelo desmantelamento das máquinas partidárias e da bipolarização do governo em PS e PSD-CDS. Descentralizar para aliviar o Estado dos "tachos" das juntas de freguesia e da mentalidade do "emprego como funcionário público que é seguro e serve para toda a família". Investigar e prender os políticos que enriqueceram do dia para a noite, os altos funcionários públicos e gestores que usam e abusam do erário público, dos privilégios, investigar os deputados da Assembleia da República que vendem pareceres das leis que eles próprios criam, as ligações entre a banca e o Estado.
Se temos tudo aquilo que têm os alemães mais um país com uma gastronomia e paisagens fantásticas porque motivo eles chegaram onde chegaram e nós não? Quem está mal? Quem é realmente o verdadeiro culpado?