domingo, 18 de março de 2012

Sou de Vila de Nova de Famalicão

Quando me perguntam de onde sou respondo automaticamente - sou de Famalicão. Não o Famalicão lá para os lados da Serra da Estrela mas sim aquele no verde Minho, o puro e duro Vila Nova de Famalicão, entre o Porto e Braga, a dois passos de Barcelos e Guimarães, de onde se vê o Oceano Atlântico para quem se aventura a subir o topo do Monte do Facho (Santa Catarina). Na pronúncia típica das suas gentes soa a Famalicon. Terra do vinho verde, das videiras, das fabricas têxteis e do crescimento inusitado de uma pequena vila de província para uma cidade grande mas não tanto ao ponto de encontrarmos nas ruas alguém conhecido sempre que percorremos as suas ruas.



Não nasci em Vila Nova de Famalicão, nasci em Lisboa mas podia ter nascido em Luanda ou até em Bragança, foi uma questão de "timming". No entanto passei 26 anos da minha vida nessa cidade minhota. Os anos mais importantes talvez. Cheguei a Famalicão no final dos anos setenta, numa noite húmida em contraste com o tempo mais agradável que se sentia junto à costa do Estoril. Pouco sabia do Norte de Portugal e só o spot publicitário ao licor Aldeia Velha (é cá dos nossos, é cá dos nossos, Aldeia Velha para os nossos copos!) me dava uma pequena ideia do que poderia vir a ser viver na província. 



O centro de Famalicão em 1978 resumia-se à Rua Adriano Pinto Basto, ao campo da feira, a Praça D. Maria II e a Avenida 25 de Abril sendo a estação de serviço Íris o ex-libris da gastronomia famalicense. Um Cine-Teatro chamado Augusto Correia (infelizmente demolido nos anos noventa), um hotel, o intrigante edifício da Fundação Cupertino de Miranda e o edifício da Câmara Municipal (o original ficou destruído num incêndio). 

Havia depois a enorme fábrica dos relógios A Boa Reguladora, ali a dois passos da estação de caminhos-de-ferro e da minha casa e a gigantesca fábrica de têxteis Manuel Gonçalves cujos escritórios estavam então na rua Adriano Pinto Basto. Em frente ficava a mercearia do Senhor Zé e da Dona Luísa e dali regalava-me a ver os automóveis que estacionavam, principalmente quando tinham matriculas alemãs. Um Audi Quattro era uma visão inusitada numa pequena vila de província. Havia também o lambe-botas dos escritórios de Manuel Gonçalves. Uma criatura patética, pálida e servil ao ponto de colocar as mãos em concha para ajudar a sair do Mercedes S o velho industrial. Nada que um pontapé nas mãos não resolvesse para gáudio de muitos que assistiam do outro lado da rua, inclusivamente o barbeiro daqueles à antiga e que gostava de um copo de verde...

As ruas eram maioritariamente em paralelo e onde hoje em dia se encontra o edifício Dallas era o fim da vila e o começo da EN para o Porto. A esquadra da PSP ficava entre a Rua Direita e a Av. 25 de Abril. Um fumarento Peugeot 404 (chamavam-lhes os Nivea) perseguia os meliantes - quando os havia - mas tinha dificuldades em perseguir as Famel, Casal Boss e restante motorizadas que ruidosamente atravessavam a vila. Para lá da Íris ficava a EN para Guimarães. 

Ganhou-se muito e perdeu-se bastante. O Ave outrora um cristalino rio onde os minhotos se banhavam e bebiam ficou praticamente irreparável, muitas tradições desapareceram com os avós e bisavós. O Minho continua a ser verde, lá estão as videiras e os campos mas numa quantidade muito menor e nas florestas impera o eucalipto, fruto de um Portugal que não olhou a meios para atingir determinados fins.

Isto tudo a propósito de um vídeo partilhado no Facebook pela minha amiga Inês. Chama-se Famalicão e foi rodado em 1940 pelo nosso centenário cineasta Manoel de Oliveira. Vale a pena ver! Especialmente para quem conhece a terra e as suas gentes.


Muito há para contar sobre Famalicão. 26 anos são muitos episódios. Um dia tenho de contar aquela estória de um Carnaval em que um certo grupo que se vestiu de peixeiras e estampou-se num Fiat 124 lá para os lados de Vilarinho das Cambas, ou aquele do sinistro tipo da morgue que apareceu de catana e queria cortar as cabeças a quem estava na esplanada do café Camões, e o brasileiro que jurava a pés juntos que dava 140 km/h em primeira num Renault 5? E o...

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