quinta-feira, 12 de novembro de 2015

O Mini metralhado durante o PREC


Lisboa, 12 de Março de 1975. O 25 de Abril de 1974 estava a semanas de completar um ano, tinham sido onze meses de um turbilhão político que estava longe de acabar. Eram os tempos do PREC (Processo Revolucionário em Curso), das siglas MFA, COPCON, RALIS, dos epítetos de reaccionários e fascistas a quem não alinhasse o diapasão com a esquerda comunista. Começava a descolonização e desmantelamento do Ultramar, os saneamentos, as nacionalizações e as perseguições politicas; dali por meses o país estaria a passos de uma guerra civil. A ideia romântica que durante décadas muitos tentaram passar de  uma revolução sem sangue, não passou disso mesmo, de uma ideia... 



Cercado pelos soldados do RAL1 o Mini com dois civis arranca depois de um momento de tensão entre populares que seguiam os militares e os ocupantes do pequeno carro que ali teriam parado para espreitar a destruição causada pelos aviões do Governo ao quartel situado entre os Olivais e Portela de Sacavém. 


Uma morte escusada

Nesse dia 12 de Março o cidadão António Ramalho Fialho e a passageira do Mini (com matricula de 1966, DE-73-42), Conceição Santos, foram literalmente executados a tiros de G3 na Avenida Alfredo Bensaúde pela então denominada "Unidade Vermelha" do RALIS (RAL1 ou Regimento de Artilharia Ligeira 1) que estava, nesses tempos, ligado a elementos da esquerda militar revolucionária.

O acontecimento foi, na primeira década da democracia portuguesa, divulgado publicamente na França e em outros países europeus sendo mostrado posteriormente pela RTP em documentários sobre o 25 de Abril e o contra-golpe abortado do 25 de Novembro de 1975.

Mal arrancou alguns dos militares disparam as metralhadoras G3 na direcção do veiculo, com transito do outro lado da avenida, para gáudio de alguns dos populares que começam a aplaudir e aos vivas. 

Pouco se sabe o que levou ao desfecho trágico mas várias fontes na Internet mencionam que António Fialho, por curiosidade, teria parado perto do quartel do RAL1 para ver os estragos feitos no dia anterior, a 11 de Março, pelos bombardeamentos e rajadas dos aviões T-6 das forças leais a Costa Gomes que havia substituído o General Spinola em Setembro de 1974.

O ataque ao RALIS, por parte da Força Aérea e dos "páras", havia causado um morto - o soldado Joaquim Carvalho Luís - e provocado meia-dúzia de feridos além da destruição de grande parte das instalações. Foi um acontecimento mediático e fez correr muita tinta na imprensa da época, na rádio, e havia passado no Telejornal da RTP, até então o único canal televisivo nacional. 


A euforia dá lugar a momentos dramáticos e pânico quando os soldados e possivelmente alguns oficiais se apercebem que mataram um dos ocupantes e feriram outro. 

A dada altura e por motivos ainda a hoje desconhecidos terá ocorrido uma altercação entre os populares que acompanhavam os militares do RALIS e António Fialho que seria insultado entre vaias e gritos de Fascista! Fascista! Algo que se havia tornado corriqueiro no Portugal do PREC e nos anos seguintes até bem ao início da década de 80.

Naquele ínterim os ânimos exaltaram-se ainda mais e alguns soldados mandaram arrancar o carro. No arranque súbito do Mini um tiro foi disparado seguido por uma saraivada de tiros que não atingiria apenas os pneus. Não dá para determinar quem disparou  primeiro e porque motivo os outros militares seguiram-lhe o exemplo.

A filmagem não parece obedecer a uma ordem cronológica e está editada - eventualmente para não mostrar as cenas mais chocantes - mas neste momento é notório que um dos ocupantes se encontra com vida, possivelmente à espera de uma ambulância.  

No espaço de uns 40 ou 50 metros o pequeno automóvel imobilizou-se na berma do passeio ao som dos vivas e aplausos da populaça enquanto os militares, visivelmente tensos e nervosos, tentavam acalmar os ânimos correndo na direcção do veiculo para verificar o estado dos ocupantes. O condutor alegadamente terá tido morte imediata sendo retirado pelo lado do passageiro e levado a braços pelos militares tal como Conceição Santos que também foi alvejada mas felizmente sobreviveu.

Uma equipe de televisão francesa, que fazia a cobertura os acontecimentos do 11 de Março, terá filmado e mais tarde divulgado no estrangeiro o trágico acontecimento. Foi desse modo que a morte de António Fialho ficou registada e por isso não é totalmente esquecida, especialmente nesta era de informação em que nos encontramos.

Da vítima apenas se sabe o nome e o veículo que conduzia. Quem foi, o que fazia, de onde era e onde foi sepultado não se sabe.

Uma imagem vale mais que mil palavras... 

Ficaria imortalizada para a posteridade a imagem do vidro traseiro e do para-brisas estilhaçado pelas balas de G3 vendo-se um galhardete do Benfica pendurado no espelho retrovisor. No final um desbocado popular comenta "estes já não fazem mal a ninguém".

40 anos passaram sem que se fizesse justiça sobre esta morte escusada e pelos ferimentos em Conceição Santos que provavelmente viveu com sequelas físicas e psicológicas desde aquele dia.

O caso chega aos tribunais 

Em Dezembro de 1975 dois militares seriam condenados a 10 anos no cárcere e um a 2 anos pelo crime mas em 1976 a pena seria anulada sem que se saibam, até hoje, mais pormenores dessa, no mínimo estranha, decisão judicial.

Que António Ramalho Fialho descanse em paz. Haverá sempre quem se recorde dos seus últimos momentos e que não deixe esquecer a sua memória.

Se algum familiar ou amigo da vitima ler este artigo por favor deixe o seu testemunho ou contacte-me por mensagem privada. Gostaria que a vida de António Fialho fosse conhecida não apenas na sua tragédia pessoal conhecida pela filmagem de 1975. 

Fontes: 

http://observador.pt/especiais/foi-ha-40-anos-o-dia-a-dia-de-lisboa-no-caldeirao-do-prec/

http://150anos.dn.pt/2014/09/30/o-golpe-spinolista-de-11-de-marco-de-1975/

https://l.facebook.com/l.php?u=http%3A%2F%2Fwww.publico.pt%2Fpolitica%2Fnoticia%2Frtp-revisita-o-prec-em-185-minifilmes-diarios-de-1-minuto-1688879&h=QAQGHy0pL


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