quarta-feira, 20 de março de 2013

O avião engolido pelas areias do Saara


Dizem alguns que o deserto é como uma entidade viva, engole sem apelo nem agravo quem lhe fizer frente e devolve quando bem lhe apetecer. Foi o que aconteceu há mais de setenta anos no Saara egípcio com o Sargento britânico da RFA, Dennis Copping e o seu malogrado avião P40 Kittyhawk. Tal como a estória do Pontiac Boneville que reapareceu numa praia da California - podem ler aqui neste blogue - este avião de combate é também uma cápsula do tempo.


Engolido pelas areias do deserto este pequeno avião de combate da RAF só em 2012 foi devolvido junto com o seu malogrado, e jovem, piloto que teria 94 anos se fosse vivo.

Corria o Verão de 1942, em plena II Guerra Mundial, quando o Sargento britânico teve como missão transportar o seu P40 danificado de uma base militar no Norte de África para outra. A fuselagem do pequeno avião a hélice apresentava-se bastante danificada (está crivado de balas) e necessitava de uma intervenção.

Supõe-se que por avaria mecânica acabou por cair nas areias do Saara egípcio. O piloto terá sobrevivido ao impacto a julgar pelos restos do paraquedas encontrado junto ao aparelho e pelo pequeno radio de transmissões e bateria deixado ali perto mas os ossos de Dennis Copping (na altura um jovem de vinte e quatro anos) foram encontrados nuns rochedos a cerca de cinco quilómetros do local do acidente. A descoberta foi acidental. Um engenheiro polaco que procedia a prospeções de petróleo na área encontrou o P40 em muito bom estado de conservação. O achado terá estado setenta anos debaixo das escaldantes areias e como em muitos outros casos só uma tempestade de areia expõe estórias ocorridas décadas antes, por vezes séculos.

Neste caso o deserto foi o agente protetor. O avião tinha ainda munições por disparar e os instrumentos, com exceção de um dos horizonte artificiais, estavam intactos. Por motivos de segurança as autoridades egípcias removeram os cartuchos enquanto que a embaixada do Reino Unido procedeu à pesquisa dos restos mortais do seu militar. Testes de ADN estão agendados e a família espera fazer-lhe um funeral e oferecer-lhe uma campa para o homenagearem.


O piloto Dennis Copping pouco tempo antes da missão que lhe seria fatal.

A família atual do malogrado piloto recebeu a noticia da descoberta com consternação apesar das décadas que passaram. Dennis era muito querido entre a sua família e os seus pais, em 1942, receberam a chocante noticia do desaparecimento do seu filho com a informação que estava desaparecido em combate. Dennis terá morrido solitariamente de desidratação no sol escaldante e a mais de trezentos quilometros da civilização.


Praticamente intacto o P40 da RAF artilhado com metralhadoras para combate.

Mais um mistério que se resolve ao contrário de tantos outros, ainda por explicar, como, por exemplo, o destino dos pilotos e aparelhos do Flight 19 no Triângulo das Bermudas.




sábado, 12 de janeiro de 2013

Bonnie a pequena grande cadela



Esteve na família durante dezassete anos, deixei-a em Portugal, ao cuidado da minha mãe, em 2004. Anteontem recebi por telefone a notícia que a Bonnie já não está mais connosco. A idade e as maleitas retiraram-lhe quase toda a qualidade de vida que tinha e o veterinário já nada mais podia fazer para lhe dar uns meses da mesma, quando muito apenas cuidados paliativos para lhe prolongar o sofrimento e as dores que um cancro lhe infligiam. No passado dia 10 morreu serenamente e vai deixar-nos muitas saudades.

A Bonnie a desfrutar o sol português numa das nossas belas praias.


Trouxe-a para casa dos meus pais em 1995 a pedido de uma ex-namorada amiga dos animais e também porque não suportei a ideia de ver um bicho tão pequeno abandonado à sua sorte, a abrigar-se da fria chuva minhota debaixo de um Renault 9. Estávamos em São Martinho do Vale, em Vila Nova de Famalicão. A primeira vez que vi a Bonnie foi a partir da janela do meu Fiat 128 SL; adorei de imediato aquela cabecinha pequena com um focinho curto, olhos grandes e "nariz de botão" como dizia o meu pai.

Baptizada de Bonnie Maria no mesmo dia foi prontamente limpa de parasitas e lavada. O meu pai que gostava de animais mas não os queria em casa - não gostava da ideia de um dia os ver morrer - foi peremptório - Não quero esse cão aqui em casa! A Bonnie abanando a sua cauda vigorosamente e indo atrás dele todo o tempo conquistou-o em poucas horas. Ficou connosco até 2013 naquela casa onde já não vive o Ricardo, onde a namorada deixou de o ser e vivendo mais dez anos do que o meu pai, poupando-o do desgosto que ele tanto receava. 

A minha mãe é a verdadeira heroína desta longa história da cadela Bonnie. O bicho apesar de ser novo quando adoptado já vinha com problemas na coluna vertebral fruto de alguma agressão ou atropelamento sofrido, ficou com as patas traseiras praticamente paralisadas em 1999 e o ajudante do veterinário da Câmara Municipal (esse matador) prontamente se ofereceu para abater o cão, tudo dito a riso, ao típico estilo com o típico desdém que o matador tem por os bichos. Viramos-lhe as costas para sempre e com muita paciência e carinho foi-se fazendo terapia, primeiro deixá-la caminhar dentro de água na banheira e depois pondo um pano por baixo da barriguinha de modo a que pudesse fazer as suas necessidade e ao mesmo tempo caminhar. Alheios aos risos e comentários de alguns vizinhos mais embrutecidos fomos determinados e a Bonnie recuperou a locomoção para grande espanto dos veterinários.

Depois os anos passaram; o namoro com a miúda que nos trouxe a Bonnie acabou, fui para a Polónia em Erasmus e regressei a Portugal. A Bonnie sempre feliz por me ver, mais tarde aceitando de bom grado a então namorada polaca que, nesse tempo, tinha pavor de cães. Foi uma terapia para ela e desde então perdeu todo o medo aos amigos caninos, de tal modo que até adoptamos uma cadela na Polónia.

Os anos passaram e as maleitas sucederam-se. Problemas de rins que acabaram numa caríssima operação de 1000€ e dieta especial, hérnias na coluna vertebral, um atropelamento sem grande consequências excepto o óleo de motor que lhe sujou o pelo e lhe pregou um grande susto por ficar debaixo do carro, um gato que a cegou de uma vista e por fim a idade que a alquebrou. Nunca a minha mãe desistiu, levando-o para todo o lado (excepto para a Polónia por motivos óbvios). A Bonnie ia frequentemente para Lisboa com a minha mãe e também para o Algarve. Andou na praia e nas quentes areias da nossa costa, de carro e de comboio.

A minha progenitora com a Bonnie na praia. Viveu mais do que aquilo que todos pensávamos, surpreendeu veterinários e respectivos ajudantes e é exemplo para outros que têm animais com problemas de locomoção.  O cão é de facto o melhor amigo do Homem.

 Não pude estar ao lado dela nos seus últimos momentos, a emigração tem destas coisas e aprendemos a viver com a distância medida em horas de voo ou quilómetros de auto-estrada. Construimos, consciente ou inconscientemente, um muro que nos protege das saudades. Esta é a minha singela homenagem à cadelinha Bonnie. Minha "cãozinha" (como te chamava tantas vezes) - vou ter saudades do teu pelo, desses dentinhos de fora, da tua pequena língua e mesmo desse terrível hálito a cachorro. Sorrio sempre que te imagino a rosnar junto à porta da varanda pronta para ir ladrar aos cães que passam ou quando te pegavas com a arqui-rival Pantufa ali para os lados do Restaurante-Café Benfica.


À minha mãe o mais sincero agradecimento por tudo o que fez pela Bonnie. Não é de ficar orgulhoso em ter uma mãe assim?