domingo, 22 de novembro de 2015

União Europeia - a redoma de vidro


Não vale a pena esmiuçar ainda mais a tragédia de Novembro em Paris, tudo tem sido descrito, inúmeras vezes ad nausea, pelos media e nesta semana que passou desde o acontecimento o número de inocentes mortos por terroristas e por aqueles que os combatem provavelmente duplicou o de França. Assim tem sido há décadas e no ano anterior àquele em que nasci, durante o Verão de 1972, um ataque terrorista nos Jogos Olímpicos na Alemanha, em Munique, dizimava  a delegação de Israel a tiros de Kalashnikov, tal como em Paris dali por quarenta e três anos. Seria o principio de uma guerra que dura até hoje, já bem dentro do século XXI.


Comentar as redes sociais é igualmente infrutífero e entre manifestações de solidariedade e outras de repudio com a mesma (como a bandeira de França no Facebook), sobressai o efeito final que o terrorismo pretende, aterrorizar e dividir...


Temos medo quer queiramos quer não, ninguém se sente mais em terra firme quando no coração da Europa se massacram inocentes numa noite de Sexta-Feira, em cafés e bistros, nas ruas, num concerto musical. Imagens de explosões, tiros e sangue no centro da "cidade das luzes" num ano que começou com terrorismo - Charles Edbo em Janeiro - e que parece querer acabar com terrorismo expõe a redoma de vidro, um bonito globo de neve, em que se tornou a UE e grande parte da sociedade ocidental alheia aos conflitos violentíssimos e condições de vida miseráveis fora das suas fronteiras mas ali apenas a duas ou três horas de avião.

De um momento para o outro põe-se em causa o Espaço Schengen e as consequências da livre-circulação de pessoas e bens no continente europeu, o multi-culturalismo passa a ser conotado com o "Politicamente Correcto" que passa a ser por sua vez considerado"pouco correcto" quando se chega à lógica conclusão que não haver um controlo efectivo de quem nos visita e de quem pede asilo politico, seja refugiado ou apátrida é obviamente uma falácia da omnipotente e omnipresente União Europeia mais dedicada aos negócios numa espécie de autismo.

Deixem-me ser claro.  Nós pretendemos combater o ISIS enquanto combatemos Assad na Síria, apesar do ISIS combater contra Assad na Síria e, os russos, pretendem auxiliar a Síria em combater o ISIS, portanto, temos de combater a Rússia para os prevenir de combaterem com a Síria contra o ISIS. Se tudo isto lhe parece insano, é porque o é.

Os extremistas são uma indesmentível realidade do Islão moderno e o interesse das grandes potencias europeias, dos EUA e da Federação Russa nos recursos desses países sempre os manipularam habilmente como alavanca para agendas politicas e controlo do petróleo, gás e dos pipelines que transportam os mesmos para as refinarias das corporações petrolíferas e em ultima instância para os combustíveis que usamos no dia-a-dia nos nossos carros e transportes. 

Por algum motivo se estima que o Daesh ou ISIS tenha triliões (escrevo bem, triliões) de dólares obtidos pelos lucrativos negócios  com o crude e petróleo que agora estão sob controlo dos outrora denominados "rebeldes" - aqueles que muitos apoiaram quando liquidaram ditadores como Sadam Hussein no Iraque, Gaddafi na Líbia e agora Bashar Al-Assad na Síria. 

Molenbeek na Bélgica. que agora pretendem baptizar de "capital Jihadista da Europa", Malmo na Suécia, Marselha e outras grandes cidades francesas e também Londres e Manchester no Reino Unido chegaram ao cúmulo de terem organizações islâmicas extremistas literalmente a conspirar contra o que eles intitulam de "decadência do Ocidente", hábeis em encontrar as vulnerabilidades do sistema europeu no controlo da emigração e vigilância de potenciais células terroristas.

Esta guerra não irá ter um fim tão cedo. Por cada atentado na Europa e na América cairão mais bombas com o suporte público, de vingança pelo que entendemos como tentativa de destruição da sociedade ocidental fazendo outras vitimas e sobreviventes que provavelmente irão dedicar a sua  vida a combater os "infiéis" que um dia lhes destruíram a infância, a juventude, a família, quem sabe o amor das suas vidas. Não terminará enquanto houverem interesses obscuros em que a mesma continue a rugir, enquanto continuarmos dependentes de combustíveis fósseis e da ambição desmedida daqueles envolvidos no negócio mais corrupto e indecente da História da humanidade. 

Todos queremos uma solução para este problema e cada vez mais parece distante uma que seja pacifica para a resolução do mesmo. Bombas em avião russo com destino ao centro das actividades do ISIS, na cidade de Rakka na Síria, onde se lê escrito a marcador "por Paris".


Os próprios islamitas parecem se dividir cada vez mais, especialmente os que agora vivem na Europa e porventura talvez entre eles próprios. Com a sua cooperação  talvez consigamos extirpar a tempo o cancro em que se tornou o extremismo-islâmico. Se de facto o Islão é a "religião do amor" cabe também àqueles que a praticam de o por em prática e de provarem aos cépticos, antagonistas e aos que a actualmente a odeiam que estamos no mesmo lado da barricada. 






quinta-feira, 12 de novembro de 2015

O Mini metralhado durante o PREC


Lisboa, 12 de Março de 1975. O 25 de Abril de 1974 estava a semanas de completar um ano, tinham sido onze meses de um turbilhão político que estava longe de acabar. Eram os tempos do PREC (Processo Revolucionário em Curso), das siglas MFA, COPCON, RALIS, dos epítetos de reaccionários e fascistas a quem não alinhasse o diapasão com a esquerda comunista. Começava a descolonização e desmantelamento do Ultramar, os saneamentos, as nacionalizações e as perseguições politicas; dali por meses o país estaria a passos de uma guerra civil. A ideia romântica que durante décadas muitos tentaram passar de  uma revolução sem sangue, não passou disso mesmo, de uma ideia... 



Cercado pelos soldados do RAL1 o Mini com dois civis arranca depois de um momento de tensão entre populares que seguiam os militares e os ocupantes do pequeno carro que ali teriam parado para espreitar a destruição causada pelos aviões do Governo ao quartel situado entre os Olivais e Portela de Sacavém. 


Uma morte escusada

Nesse dia 12 de Março o cidadão António Ramalho Fialho e a passageira do Mini (com matricula de 1966, DE-73-42), Conceição Santos, foram literalmente executados a tiros de G3 na Avenida Alfredo Bensaúde pela então denominada "Unidade Vermelha" do RALIS (RAL1 ou Regimento de Artilharia Ligeira 1) que estava, nesses tempos, ligado a elementos da esquerda militar revolucionária.

O acontecimento foi, na primeira década da democracia portuguesa, divulgado publicamente na França e em outros países europeus sendo mostrado posteriormente pela RTP em documentários sobre o 25 de Abril e o contra-golpe abortado do 25 de Novembro de 1975.

Mal arrancou alguns dos militares disparam as metralhadoras G3 na direcção do veiculo, com transito do outro lado da avenida, para gáudio de alguns dos populares que começam a aplaudir e aos vivas. 

Pouco se sabe o que levou ao desfecho trágico mas várias fontes na Internet mencionam que António Fialho, por curiosidade, teria parado perto do quartel do RAL1 para ver os estragos feitos no dia anterior, a 11 de Março, pelos bombardeamentos e rajadas dos aviões T-6 das forças leais a Costa Gomes que havia substituído o General Spinola em Setembro de 1974.

O ataque ao RALIS, por parte da Força Aérea e dos "páras", havia causado um morto - o soldado Joaquim Carvalho Luís - e provocado meia-dúzia de feridos além da destruição de grande parte das instalações. Foi um acontecimento mediático e fez correr muita tinta na imprensa da época, na rádio, e havia passado no Telejornal da RTP, até então o único canal televisivo nacional. 


A euforia dá lugar a momentos dramáticos e pânico quando os soldados e possivelmente alguns oficiais se apercebem que mataram um dos ocupantes e feriram outro. 

A dada altura e por motivos ainda a hoje desconhecidos terá ocorrido uma altercação entre os populares que acompanhavam os militares do RALIS e António Fialho que seria insultado entre vaias e gritos de Fascista! Fascista! Algo que se havia tornado corriqueiro no Portugal do PREC e nos anos seguintes até bem ao início da década de 80.

Naquele ínterim os ânimos exaltaram-se ainda mais e alguns soldados mandaram arrancar o carro. No arranque súbito do Mini um tiro foi disparado seguido por uma saraivada de tiros que não atingiria apenas os pneus. Não dá para determinar quem disparou  primeiro e porque motivo os outros militares seguiram-lhe o exemplo.

A filmagem não parece obedecer a uma ordem cronológica e está editada - eventualmente para não mostrar as cenas mais chocantes - mas neste momento é notório que um dos ocupantes se encontra com vida, possivelmente à espera de uma ambulância.  

No espaço de uns 40 ou 50 metros o pequeno automóvel imobilizou-se na berma do passeio ao som dos vivas e aplausos da populaça enquanto os militares, visivelmente tensos e nervosos, tentavam acalmar os ânimos correndo na direcção do veiculo para verificar o estado dos ocupantes. O condutor alegadamente terá tido morte imediata sendo retirado pelo lado do passageiro e levado a braços pelos militares tal como Conceição Santos que também foi alvejada mas felizmente sobreviveu.

Uma equipe de televisão francesa, que fazia a cobertura os acontecimentos do 11 de Março, terá filmado e mais tarde divulgado no estrangeiro o trágico acontecimento. Foi desse modo que a morte de António Fialho ficou registada e por isso não é totalmente esquecida, especialmente nesta era de informação em que nos encontramos.

Da vítima apenas se sabe o nome e o veículo que conduzia. Quem foi, o que fazia, de onde era e onde foi sepultado não se sabe.

Uma imagem vale mais que mil palavras... 

Ficaria imortalizada para a posteridade a imagem do vidro traseiro e do para-brisas estilhaçado pelas balas de G3 vendo-se um galhardete do Benfica pendurado no espelho retrovisor. No final um desbocado popular comenta "estes já não fazem mal a ninguém".

40 anos passaram sem que se fizesse justiça sobre esta morte escusada e pelos ferimentos em Conceição Santos que provavelmente viveu com sequelas físicas e psicológicas desde aquele dia.

O caso chega aos tribunais 

Em Dezembro de 1975 dois militares seriam condenados a 10 anos no cárcere e um a 2 anos pelo crime mas em 1976 a pena seria anulada sem que se saibam, até hoje, mais pormenores dessa, no mínimo estranha, decisão judicial.

Que António Ramalho Fialho descanse em paz. Haverá sempre quem se recorde dos seus últimos momentos e que não deixe esquecer a sua memória.

Se algum familiar ou amigo da vitima ler este artigo por favor deixe o seu testemunho ou contacte-me por mensagem privada. Gostaria que a vida de António Fialho fosse conhecida não apenas na sua tragédia pessoal conhecida pela filmagem de 1975. 

Fontes: 

http://observador.pt/especiais/foi-ha-40-anos-o-dia-a-dia-de-lisboa-no-caldeirao-do-prec/

http://150anos.dn.pt/2014/09/30/o-golpe-spinolista-de-11-de-marco-de-1975/

https://l.facebook.com/l.php?u=http%3A%2F%2Fwww.publico.pt%2Fpolitica%2Fnoticia%2Frtp-revisita-o-prec-em-185-minifilmes-diarios-de-1-minuto-1688879&h=QAQGHy0pL