Num rotineiro gesto de colocar o lixo no contentor deparo-me com um caixote em cartão de tamanho médio repleto de cassetes VHS. Umas eram gravações ad hoc com títulos de filmes em polaco, outras desenhos animados e com certeza haveriam muito mais mas não verifiquei.
Um bom indicador de como as décadas passam são estes pormenores no material áudio-visual. Quando era criança ficava fascinado com duas caixas que estavam guardadas no armário do quarto dos meus pais. Uma era um projector de filmes que, hoje em dia, sei que se trata de película tipo Super-8. A outra caixa era a câmara de filmar que pertenceu em tempos ao padrasto do meu pai. No princípio dos anos 80 ainda era uma câmara de filmar boa - que só foi utilizada em África - e as bobines com os filmes amadores em Angola permitiam ver, em cinema mudo, cenas da família antes de nascerem os filhos, corridas de automóveis e motas na marginal de Luanda e bem intencionados filmes amadores do tal padrasto em que praticamente não vê nada de Luanda. Filmar era uma arte e "sacar" da câmara Super-8 como se fosse um secador de cabelos ou uma metralhadora acabava por revelar um dispendioso filme desfocado.
A terra avermelhada de Angola, as "picadas" e uma caravana de automóveis onde se viam NSU TT, Austin Mini 1000 e um qualquer carro americano eram memórias de tempos que nunca mais se repetiriam e de lugares que não se revisitariam. Os filmes ainda lá estão guardados nas bobines plásticas mas os protagonistas, esses, têm vindo a desaparecer.
Nos anos 80 aparecem os vídeo-gravadores. O primeiro que vi pertencia ao administrador do hospital de Vila Nova de Famalicão; quem os comprava tinha poder de compra. Os vídeo-gravadores eram caros e as cassetes tinham o formato conhecido por Betamax ou Beta. Não tardou a que esse formato desaparecesse em favor do VHS, tal como o 8mm Standard deu lugar ao Super 8 e mais tarde ao VHS e ao DVD e por sua vez o DVD ao P2P...
À medida que a década oitenta ia passando o VHS tornava-se popular e aparecem os primeiros Clubes de Vídeo onde no começo pediam descaradamente uma "joia" ou seja, uma caução inicial de alguns contos, para se ser sócio. Os filmes já não eram um exclusivo da televisão portuguesa - a RTP com o canal 1 (popular) e o canal 2 (intelectual). Um dos primeiros filmes gravados massivamente foi provavelmente o Rambo I com Silverster Stalone. A meio da década o botão de Pause/Still permitiu ver, entre outros, a nudez de Natasha Kinski no filme Cat People (A Felina em Portugal e A Marca da Pantera no Brasil).
Pause/Still. Um botão e um meio-audiovisual amigo do adolescente com acne e baldes de testosterona e também do "cota" que finalmente poderia ver um filme porno na privacidade do lar...
Pause/Still. Um botão e um meio-audiovisual amigo do adolescente com acne e baldes de testosterona e também do "cota" que finalmente poderia ver um filme porno na privacidade do lar...
Junto com o fenómeno VHS aparecem as primeiras câmaras de filmar com cassete. Eram uns tijolos de carregar ao ombro ao contrário das minúsculas câmaras de hoje que provavelmente não resistem ao rabo de quem se sente em cima delas. A tecnologia avançava, os carros deixaram de ter para-choques cromados com escudetes e carburador, as calças boca de sino e as golas tipo asa de gaivota eram apenas memórias de uma moda estranha que teve lugar na década anterior. Ouvia-se na rádio músicas que ainda hoje são um regalo para os ouvidos.
Os anos 90 foram um tsunami tecnológico. A década anterior com o Pac-Man, o Atari e os ZX Spectrum deram lugar ao PC, ao teclado e rato, ao Windows e posteriormente à Internet. O filme Super 8 foi totalmente esquecido, o Betamax e o VHS passaram a ter uma estante empoeirada nos vídeo clubes e o vídeo-gravador deu lugar ao leitor de DVD e ao laptop.
Sem nos darmos por isso temos uma pequena central tecnológica multimédia que recebe e faz chamadas, tira fotografias e vídeos e ainda os envia instantaneamente para qualquer lado do mundo enquanto se pode ligar à Internet. No final de contas estamos no século XXI e tudo o que está para trás do numero mil e novecentos é comparável à sensação que muitos tiveram no inicio do século XX quando a carruagem a cavalo deu lugar ao fumarento automóvel movido a benzina.